sábado, 8 de dezembro de 2012

Medíocres e Distraídos


    Leio com tristeza sobre quanto países como Coreia do Sul e outros estimulam o ensino básico, conseguem excelência em professores e escolas, ótimas universidades, num crescimento real, aquele no qual tudo se fundamenta: a educação, a informação, a formação de cada um.
       Comparados a isso, parecemos treinar para ser medíocres. Como indivíduos, habitantes deste Brasil, estamos conscientes disso, e queremos — ou vivemos sem saber de quase nada? Não vale, para um povo, a desculpa do menino levado que tem a resposta pronta: “Eu não sabia”", “Não foi por querer”.
       Pois, mesmo com a educação — isto é a informação — tão fraquinha e atrasada, temos a imprensa para nos informar. A televisão não traz só telenovelas ou programas de auditório: documentários, reportagens, notícias, nos tornam mais gente: jornais não têm só coluna policial ou fofocas sobre celebridades, mas nos deixam a par e nos integram no que se passa no mundo, no país, na cidade.
        Alienação é falta grave: omissão traz burrice, futilidade é um mal. Por omissos votamos errado ou nem votamos, por desinformados não conhecemos os nossos direitos, por fúteis não queremos lucidez, não sabemos da qualidade na escola do filho, da saúde de todo mundo, da segurança em nossas ruas.
        O real crescimento do país e o bem da população passam ao largo de nossos interesses. Certa vez escrevi um artigo que deu título a um livro: “Pensar é transgredir”. Inevitavelmente me perguntam: “Transgredir o quê?”. Transgredir a ordem da mediocridade, o deixa pra lá, o nem quero saber nem me conte, que nos dá a ilusão de sermos livres e leves como na beira do mar, pensamento flutuando, isso é que é vida. Será? Penso que não, porque todos, todos sem exceção, somos prejudicados pelo nosso próprio desinteresse.
       Nosso país tem tamanhos problemas que não dá para fingir que está tudo bem, que somos os tais, que somos modelo para os bobos europeus e americanos, que aqui está tudo funcionando bem, e que até crescemos. Na realidade, estamos parados, continuamos burros, doentes, desamparados, ou muito menos burros e doentes e desamparados do que poderíamos estar. Já estivemos em situação pior ? Claro que sim.
        Já tivemos escravidão, a mortalidade infantil era assustadora, os pobres sem assistência, nas ruas reinava a imundície, não havia atendimento algum aos necessitados (hoje há menos do que deveria, mas existe). Então, de certa forma, muita coisa melhorou. Mas poderíamos estar melhores, só que não parecemos interessados.
        Queremos, aceitamos, pão e circo, a Copa, a Olimpíada, a balada, o joguinho, o desconto, o prazo maior para nossas dívidas, o não saber de nada sério: a gente não quer se incomodar. Ou pior: nós temos a sensação de que não adianta mesmo. Mas na verdade temos medo de sair às ruas, nossas casas e edifícios têm porteiro, guarda, alarmes e medo.
        Nossas escolas são fraquíssimas, as universidades péssimas, e o propósito parece ser o de que isso ainda piore.
        Pois, em lugar de estimularmos os professores e melhorarmos imensamente a qualidade de ensino de nossas crianças, baixamos o nível das universidades, forçando por vários recursos a entrada dos mais despreparados, que naturalmente vão sofrer ao cair na realidade. Mas a esses mais sem base, porque fizeram uma escola péssima ou ruim, dizem que terão tutores no curso superior para poder se equilibrar e participar com todos.
        Porque nós não lhes demos condições positivas de fazer uma boa escola, para que pudessem chegar ao ensino superior pela própria capacidade, queremos band-aids ineficientes para fingir que está tudo bem. Não se deve baixar o nível em coisa alguma, mas elevar o nível em tudo.
        Todos, de qualquer origem, cor, nível cultural e econômico ou ambiente familiar, têm direito à excelência que não lhes oferecemos, num dos maiores enganos da nossa história.
        Não precisamos viver sob o melancólico império da mediocridade que parece fácil e inocente, mas trava nossas capacidades, abafa nossa lucidez, e nos deixa tão agradavelmente distraídos.

                                                                                                                           Lya Luft

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Sincera homenagem de Artur Pedro ao Delegado Paulo Geraldo!!





Dr. Paulo Geraldo,

  Dona Dione, Marcos e Ezandra, tenham certeza que Dr. Paulo está muito feliz e agora altivo descansa, como o atleta depois de lutar...  O momento também é muito triste para nós que perdemos este nobre companheiro.
       
      O Senhor, como Admirador das artes marciais cuidou do físico; admirando os movimentos sociais, dedicou-se a leitura vermelha e cuidou da ciência; admirando o Ser Supremo, cuidava do espírito, pois sabia que só este é eterno e hoje, pela sua humildade, sua educação e seu modo de participar do mundo, não tenho dúvidas, encontra-se ao lado de Deus.
       
         Lembro-me da admiração pelo seu irmão, Marquinhos, como carinhosamente o chamava. Eu percebia quando a saudade da sua filha, Maria, apertava. Querendo ir buscá-la e vergonhoso para me chamar, dizia: E ai meu velho, vamos viajar?
       
     Já disse Eduardo Galeano: Nós dizemos não a uma sociedade que põe preço nas coisas e nas pessoas e que ver a vida como um supermercado ou uma  pista de corrida, onde o próximo é visto como uma mercadoria ou um competidor, jamais como um irmão. O Senhor não pactuava com isso.
       
       Como é ser assim? Quem foi Nelson Hungria? Só quem era próximo de Dr. Paulo sabe do que estou falando.

 Você deixou sua terra natal porque tinha um sonho: ser Delegado da Polícia Civil de Pernambuco.
       
      Às vezes discutia com seus colegas alagoanos e dizia: eu agora sou pernambucano! Esta admiração aumentou quando trabalhou no sertão, ao ponto de registrar para sempre em seu corpo a tatuagem de um carcará, símbolo e lembrança daquela região sofrida e das duras operações policiais.
      
       Toda aquela admiração pela terra dos altos coqueiros acabou em 2011. A decepção transforma qualquer ser humano. Nada é mais triste para uma pessoa do que ter um princípio, acreditar nele, lutar por ele e do nada aparecer alguém para lhe caluniar, justamente naquilo que você mais defende e, o pior, é esta mentira soar como verdade. Aquele orgulho de ser policial pernambucano morreu no ano passado e, com isso, aos poucos seu corpo também  foi para o túmulo. Mas você continua vivo na minha mente e na mente de muitos colegas que fazem Policia com dignidade.
       
      Boa música, boa leitura, barba impecável, sempre em camisa de mangas longas, educação e humildade a toda prova. Recordo que no início da crise sentiu fortes dores no abdômen, dirigiu-se ao Hospital Dom Moura, perguntou ao porteiro onde era a fila do atendimento e ali aguardou sua vez, sem se identificar. Em uma das viagens que fizemos ao sertão, fez uma ultrapassagem em local proibido, foi parado pela Policia Rodoviária e notificado, educadamente recebeu a notificação e desejou um bom dia ao patrulheiro. Aí eu questionei – o Senhor é Delegado Seccional, porque não se identificou para evitar a multa. Ele só fez dizer – eu estava errado! Estes simples fatos faziam aumentar minha admiração por sua pessoa e por seu comportamento diferenciado. Eu sentia muito orgulho quando o Senhor dizia: Artur, eu confio  em você. Ser da sua confiança para mim era motivo de grande honra.
      
      Nós da Policia Civil de Garanhuns jamais duvidamos da sua idoneidade e tenha certeza, Pernambuco é feito de homens e mulheres de fibra, é a nova Roma de bravos guerreiros e nestes o Senhor continua vivo, pelos seus atos e exemplo de vida.

       Esta é minha última homenagem, o coração apertado, a face molhada por lágrimas, mas com o orgulho de ter trabalhado com o Dr. Paulo Geraldo de Paula. 

Garanhuns, Novembro de 2012
                                                                    
                                                                      Artur Pedro

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Diminuição de Homicídio, muito esforço nosso e metas cumpridas!!


    Numa matéria publicada no Jornal do Commercio do dia 05/12/2012, o secretário de defesa social Wilson Damásio, divulgou os dados de homicídio do mês de novembro/12 e que foi registrada a morte de 252, mês de redução histórica, 14,9%, quando o ponto de referência de homicídio é de 300 por 30 dias. Esse resultado estatístico e a divulgação na imprensa a favorecem muito bem aos interesses políticos, tanto para o secretário como para o Governador.
               
       Na realidade, quem são de fato os verdadeiros responsáveis por esse resultado positivo?  Os servidores da segurança pública de nosso Estado. Isso prova que a sua grande maioria é composta por trabalhadores devotados, competentes e eficientes que trabalham no exercício de suas atribuições.
             
     Os Policiais de Pernambuco são considerados aqueles que percebem uma das piores remunerações, mas mesmo assim, diante de todas essas dificuldades, estão mantendo os resultados do Pacto pela Vida em primeira ordem, inclusive, superando as expectativas do Governo.
     
     Governador Eduardo Campos, Secretário Wilson Damásio, Chefe de Polícia Osvaldo Moraes, imaginem vocês, que resultado teríamos se fosse valorizado esses trabalhadores com melhores salários e condições de trabalho?
       
       Respondendo essa pergunta: Nós do Movimento pela Mudança achamos que o Pacto pela Vida seria extraordinário e magnífico. Nós não somos contra a carreira política de ninguém, o que lutamos é pela valorização dos Policiais Civis. Queremos nossa parte no bolo e vamos lutar por isso, pois não é favor, mas um direito conquistado com muito trabalho, confirmada pela metas cumpridas do Pacto.
          

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Morre o delegado da Polícia Civil de Pernambuco Dr. Paulo Geraldo
O Dr. Paulo Geraldo de Paula, delegado da Polícia Civil de Pernambuco, encontrava-se internado no Estado de Alagoas e nos últimos dias estava na UTI após uma cirurgia. Segundo informações, além do problema de doença no pâncreas ele vinha sofrendo de depressão.

Dr. Paulo Geraldo foi delegado em algumas cidades do Sertão, 2ª Delegacia e 18ª DESEC de Garanhuns, Quipapá, Jucati, e atualmente estava à frente da Delegacia de São João e respondendo pela delegacia de Palmeirina.

Policiais civis e militares de Garanhuns e Região estão lamentando sua perda, pois o mesmo era considerado por todos, um homem honesto, correto com suas obrigações e muitos se inspiravam em seu trabalho.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


Reistência




         Sei muito bem que a língua, como coisa viva que é, só muda quando mudam as pessoas, as relações entre elas e a forma como lidam com o mundo. Poucas expressões humanas são tão avessas a imposições por decreto como a língua. Tão indomável que até mesmo nós, mais vezes do que gostaríamos, acabamos deixando escapar palavras que faríamos de tudo para recolher no segundo seguinte. E talvez mais vezes ainda pretendêssemos usar determinado sujeito, verbo, substantivo ou adjetivo e usamos outro bem diferente, que revela muito mais de nossas intenções e sentimentos do que desejaríamos. Afinal, a psicanálise foi construída com os tijolos de nossos atos falhos. Exerço, porém, um pequeno ato quixotesco no meu uso pessoal da língua: esforço-me para jamais usar a palavra “doutor” antes do nome de um médico ou de um advogado.



           Travo minha pequena batalha com a consciência de que a língua nada tem de inocente. Se usamos as palavras para embates profundos no campo das ideias, é também na própria escolha delas, no corpo das palavras em si, que se expressam relações de poder, de abuso e de submissão. Cada vocábulo de um idioma carrega uma teia de sentidos que vai se alterando ao longo da História, alterando-se no próprio fazer-se do homem na História. E, no meu modo de ver o mundo, “doutor” é uma praga persistente que fala muito sobre o Brasil. Como toda palavra, algumas mais do que outras, “doutor” desvela muito do que somos – e é preciso estranhá-lo para conseguirmos escutar o que diz.

             Assim, minha recusa ao “doutor” é um ato político. Um ato de resistência cotidiana, exercido de forma solitária na esperança de que um dia os bons dicionários digam algo assim, ao final das várias acepções do verbete “doutor”: “arcaísmo: no passado, era usado pelos mais pobres para tratar os mais ricos e também para marcar a superioridade de médicos e advogados, mas, com a queda da desigualdade socioeconômica e a ampliação dos direitos do cidadão, essa acepção caiu em desuso”.

             Em minhas aspirações, o sentido da palavra perderia sua força não por proibição, o que seria nada além de um ato tão inútil como arbitrário, na qual às vezes resvalam alguns legisladores, mas porque o Brasil mudou. A língua, obviamente, só muda quando muda a complexa realidade que ela expressa. Só muda quando mudamos nós.



            Historicamente, o “doutor” se entranhou na sociedade brasileira como uma forma de tratar os superiores na hierarquia socioeconômica – e também como expressão de racismo. Ou como a forma de os mais pobres tratarem os mais ricos, de os que não puderam estudar tratarem os que puderam, dos que nunca tiveram privilégios tratarem aqueles que sempre os tiveram. O “doutor” não se estabeleceu na língua portuguesa como uma palavra inocente, mas como um fosso, ao expressar no idioma uma diferença vivida na concretude do cotidiano que deveria ter nos envergonhado desde sempre.

            Lembro-me de, em 1999, entrevistar Adail José da Silva, um carregador de malas do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, para a coluna semanal de reportagem que eu mantinha aos sábados no jornal Zero Hora, intitulada “A Vida Que Ninguém Vê”. Um trecho de nosso diálogo foi este:

 - E como os fregueses o chamam?

- Os doutor me chamam assim, ó: “Ô, negão!” Eu acho até que é carinhoso.

- O senhor chama eles de doutor?

- Pra mim todo mundo é doutor. Pisou no aeroporto é doutor. É ó, doutor, como vai, doutor, é pra já, doutor....
- É esse o segredo do serviço?

- Tem que ter humildade. Não adianta ser arrogante. Porque, se eu fosse um cara importante, não ia tá carregando a mala dos outros, né? Sou pé de chinelo. Então, tenho que me botar no meu lugar.

            A forma como Adail via o mundo e o seu lugar no mundo – a partir da forma como os outros viam tanto ele quanto seu lugar no mundo – contam-nos séculos de História do Brasil. Penso, porém, que temos avançado nas últimas décadas – e especialmente nessa última. O “doutor” usado pelo porteiro para tratar o condômino, pela empregada doméstica para tratar o patrão, pelo engraxate para tratar o cliente, pelo negro para tratar o branco não desapareceu – mas pelo menos está arrefecendo.


            Se alguém, especialmente nas grandes cidades, chamar hoje o outro de “doutor”, é legítimo desconfiar de que o interlocutor está brincando ou ironizando, porque parte das pessoas já tem noção da camada de ridículo que a forma de tratamento adquiriu ao longo dos anos. Essa mudança, é importante assinalar, reflete também a mudança de um país no qual o presidente mais popular da história recente é chamado pelo nome/apelido. Essa contribuição – mais sutil, mais subjetiva, mais simbólica – que se dá explicitamente pelo nome, contida na eleição de Lula, ainda merece um olhar mais atento, independentemente das críticas que se possa fazer ao ex-presidente e seu legado.


             Se o “doutor” genérico, usado para tratar os mais ricos, está perdendo seu prazo de validade, o “doutor” que anuncia médicos e advogados parece se manter tão vigoroso e atual quanto sempre. Por quê? Com tantas mudanças na sociedade brasileira, refletidas também no cinema e na literatura, não era de se esperar um declínio também deste doutor?

            Ao pesquisar o uso do “doutor” para escrever esta coluna, deparei-me com artigos de advogados defendendo que, pelo menos com relação à sua própria categoria, o uso do “doutor” seguia legítimo e referendado na lei e na tradição. O principal argumento apresentado para defender essa tese estaria num alvará régio no qual D. Maria, de Portugal, mais conhecida como “a louca”, teria outorgado o título de “doutor” aos advogados. Mais tarde, em 1827, o título de “doutor” teria sido assegurado aos bacharéis de Direito por um decreto de Dom Pedro I, ao criar os primeiros cursos de Ciências Jurídicas e Sociais no Brasil. Como o decreto imperial jamais teria sido revogado, ser “doutor” seria parte do “direito” dos advogados. E o título teria sido “naturalmente” estendido para os médicos em décadas posteriores.


           Há, porém, controvérsias. Em consulta à própria fonte, o artigo 9 do decreto de D. Pedro I diz o seguinte: “Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e só os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes”. Tomei a liberdade de atualizar a ortografia, mas o texto original pode ser conferido aqui. “Lente” seria o equivalente hoje à livre-docente.


            Mesmo que Dom Pedro I tivesse concedido a bacharéis de Direito o título de “doutor”, o que me causa espanto é o mesmo que, para alguns membros do Direito, garantiria a legitimidade do título: como é que um decreto do Império sobreviveria não só à própria queda do próprio, mas também a tudo o que veio depois?


             O fato é que o título de “doutor”, com ou sem decreto imperial, permanece em vigor na vida do país. Existe não por decreto, mas enraizado na vida vivida, o que torna tudo mais sério. A resposta para a atualidade do “doutor” pode estar na evidência de que, se a sociedade brasileira mudou bastante, também mudou pouco. A resposta pode ser encontrada na enorme desigualdade que persiste até hoje. E na forma como essas relações desiguais moldam a vida cotidiana.


             É no dia a dia das delegacias de polícia, dos corredores do Fórum, dos pequenos julgamentos que o “doutor” se impõe com todo o seu poder sobre o cidadão “comum”. Como repórter, assisti à humilhação e ao desamparo tanto das vítimas quanto dos suspeitos mais pobres à mercê desses doutores, no qual o título era uma expressão importante da desigualdade no acesso à lei. No início, ficava estarrecida com o tratamento usado por delegados, advogados, promotores e juízes, falando de si e entre si como “doutor fulano” e “doutor beltrano”. Será que não percebem o quanto se tornam patéticos ao fazer isso?, pensava. Aos poucos, percebi a minha ingenuidade. O “doutor”, nesses espaços, tinha uma função fundamental: a de garantir o reconhecimento entre os pares e assegurar a submissão daqueles que precisavam da Justiça e rapidamente compreendiam que a Justiça ali era encarnada e, mais do que isso, era pessoal, no amplo sentido do termo.


            No caso dos médicos, a atualidade e a persistência do título de “doutor” precisam ser compreendidas no contexto de uma sociedade patologizada, na qual as pessoas se definem em grande parte por seu diagnóstico ou por suas patologias. Hoje, são os médicos que dizem o que cada um de nós é: depressivo, hiperativo, bipolar, obeso, anoréxico, bulímico, cardíaco, impotente, etc. Do mesmo modo, numa época histórica em que juventude e potência se tornaram valores – e é o corpo que expressa ambas – faz todo sentido que o poder médico seja enorme. É o médico, como manipulador das drogas legais e das intervenções cirúrgicas, que supostamente pode ampliar tanto potência quanto juventude. E, de novo supostamente, deter o controle sobre a longevidade e a morte. A ponto de alguns profissionais terem começado a defender que a velhice é uma “doença” que poderá ser eliminada com o avanço tecnológico.


             O “doutor” médico e o “doutor” advogado, juiz, promotor, delegado têm cada um suas causas e particularidades na história das mentalidades e dos costumes. Em comum, o doutor médico e o doutor advogado, juiz, promotor, delegado têm algo significativo: a autoridade sobre os corpos. Um pela lei, o outro pela medicina, eles normatizam a vida de todos os outros. Não apenas como representantes de um poder que pertence à instituição e não a eles, mas que a transcende para encarnar na própria pessoa que usa o título.


             Se olharmos a partir das relações de mercado e de consumo, a medicina e o direito são os únicos espaços em que o cliente, ao entrar pela porta do escritório ou do consultório, em geral já está automaticamente numa posição de submissão. Em ambos os casos, o cliente não tem razão, nem sabe o que é melhor para ele. Seja como vítima de uma violação da lei ou como autor de uma violação da lei, o cliente é sujeito passivo diante do advogado, promotor, juiz, delegado. E, como “paciente” diante do médico, como abordei na coluna anterior, deixa de ser pessoa para tornar-se objeto de intervenção.


             Num país no qual o acesso à Justiça e o acesso à Saúde são deficientes, como o Brasil, é previsível que tanto o título de “doutor” permaneça atual e vigoroso quanto o que ele representa também como viés de classe. Apesar dos avanços e da própria Constituição, tanto o acesso à Justiça quanto o acesso à Saúde permanecem, na prática, como privilégios dos mais ricos. As fragilidades do SUS, de um lado, e o número insuficiente de defensores públicos de outro são expressões dessa desigualdade. Quando o direito de acesso tanto a um quanto a outro não é assegurado, a situação de desamparo se estabelece, assim como a subordinação do cidadão àquele que pode garantir – ou retirar – tanto um quanto outro no cotidiano. Sem contar que a cidadania ainda é um conceito mais teórico do que concreto na vida brasileira.


            Infelizmente, a maioria dos “doutores” médicos e dos “doutores” advogados, juízes, promotores, delegados etc estimulam e até exigem o título no dia a dia. E talvez o exemplo público mais contundente seja o do juiz de Niterói (RJ) que, em 2004, entrou na Justiça para exigir que os empregados do condomínio onde vivia o chamassem de “doutor”. Como consta nos autos, diante da sua exigência, o zelador retrucava: “Fala sério....” Não conheço em profundidade os fatos que motivaram as desavenças no condomínio – mas é muito significativo que, como solução, o juiz tenha buscado a Justiça para exigir um tratamento que começava a lhe faltar no território da vida cotidiana.


                É importante reconhecer que há uma pequena parcela de médicos e advogados, juízes, promotores, delegados etc que tem se esforçado para eliminar essa distorção. Estes tratam de avisar logo que devem ser chamados pelo nome. Ou por senhor ou senhora, caso o interlocutor prefira a formalidade – ou o contexto a exija. Sabem que essa mudança tem grande força simbólica na luta por um país mais igualitário e pela ampliação da cidadania e dos direitos. A estes, meu respeito.


                Resta ainda o “doutor” como título acadêmico, conquistado por aqueles que fizeram doutorado nas mais diversas áreas. No Brasil, em geral isso significa, entre o mestrado e o doutorado, cerca de seis anos de estudo além da graduação. Para se doutorar, é preciso escrever uma tese e defendê-la diante de uma banca. Neste caso, o título é – ou deveria ser – resultado de muito estudo e da produção de conhecimento em sua área de atuação. É também requisito para uma carreira acadêmica bem sucedida – e, em muitas universidades, uma exigência para se candidatar ao cargo de professor.


                Em geral, o título só é citado nas comunicações por escrito no âmbito acadêmico e nos órgãos de financiamento de pesquisas, no currículo e na publicação de artigos em revistas científicas e/ou especializadas. Em geral, nenhum destes doutores é assim chamado na vida cotidiana, seja na sala de aula ou na padaria. E, pelo menos os que eu conheço, caso o fossem, oscilariam entre o completo constrangimento e um riso descontrolado. Não são estes, com certeza, os doutores que alimentam também na expressão simbólica a abissal desigualdade da sociedade brasileira.


                Estou bem longe de esgotar o assunto aqui nesta coluna. Faço apenas uma provocação para que, pelo menos, comecemos a estranhar o que parece soar tão natural, eterno e imutável – mas é resultado do processo histórico e de nossa atuação nele. Estranhar é o verbo que precede o gesto de mudança. Infelizmente, suspeito de que “doutor fulano” e “doutor beltrano” terão ainda uma longa vida entre nós. Quando partirem desta para o nunca mais, será demasiado tarde. Porque já é demasiado tarde – sempre foi.

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem

Fonte: Revista Época

terça-feira, 20 de novembro de 2012

TETO SALARIAL É PEÇA DE FICÇÃO, DIZ PROCURADOR.





         Em entrevista ao Congresso em Foco, procurador que iniciou investigações sobre supersalários declara-se sem esperança de que um dia os limites constitucionais para o pagamento dos servidores sejam respeitados.

POR EDUARDO MILITÃO, 15/11/2012.
          Procurador que iniciou as investigações sobre o pagamento de supersalários no serviço público, Marinus Marsico está sem esperança. Depois de lutar pelo cumprimento da lei, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) está convencido de que falta vontade política para o cumprimento do dispositivo da Constituição que estabelece que nenhum servidor pode ganhar mais do que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ou, pelos valores de hoje, R$ 26,7 mil. “Ficam buscando desculpas para burlar a lei”, protesta o procurador, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco. Para Marinus, a situação gera uma situação injusta: Só os honestos cumprem o teto”. Diante de tal “hipocrisia”, o procurador chega a ser duro: “É melhor acabar logo de uma vez com o teto”.
Acabe-se com a hipocrisia na administração, onde só as pessoas honestas cumprem o teto. Esse teto foi descumprido, está sendo descumprido e será descumprido eternamente”, desabafa. “Infelizmente, o teto é hoje uma peça de ficção”, conclui.

           Foi a partir da ação de Marinus Marsico que se iniciou a investigação sobre a burla da norma constitucional no serviço público. Os auditores do TCU começaram a investigar as folhas salariais e, como vem noticiando o Congresso em Foco,identificaram a existência de supersalários nos três poderes da República. Estima-se que cerca de quatro mil servidores públicos recebem vencimentos acima do teto constitucional. As maiores distorções acontecem no Poder Legislativo. Pelo menos 8% dos funcionários da Câmara e 12% dos servidores do Senado têm remuneração acima do teto. O problema é que, apesar das distorções estarem evidenciadas pelo trabalho de seus auditores, o Tribunal de Contas da União hesita em julgar o caso e tomar providências. O julgamento dos casos dos supersalários na Câmara e no Senado estava inicialmente na pauta do TCU na quinta-feira passada (8). Mas o relator, Raimundo Carreiro, que antes era o secretário-geral da Mesa do Senado, adiou o julgamento, alegando que precisava “estudar mais o assunto”, que já está em discussão há três anos.

           Tais situações é que desanimam o procurador Marinus Marsico, e que parecem uma demonstração de falta de vontade política em lidar com o tema. Há várias questões que precisariam ser resolvidas de forma clara quanto à definição do teto salarial. Na composição das folhas salariais do Legislativo, por exemplo, vários adicionais são deixados de lado na soma dos vencimentos, como se não fossem salários, permitindo que o teto seja ultrapassado. É a falta de definição sobre esse penduricalhos que faz com que a norma constitucional, na prática, não seja cumprida.

Fonte: Congresso em foco.

BLACK OUT” ATINGE INTELIGÊNCIA DA POLÍCIA FEDERAL



                           Investigações comprometidas
       
        No final de outubro a imprensa divulgou que dois escritórios do Serviço de Inteligência da Polícia Federal foram fechados e que, num efeito cascata, uma a uma todas as demais unidades espalhadas por todo o território nacional deveriam ter o mesmo destino, quebrando, literalmente, a coluna dorsal da maior e mais bem equipada instituição de Segurança Pública do Brasil.
     
       O efeito se confirmou e, pouco a pouco um verdadeiro “black out” funcional está desligando todos os núcleos de investigação pelo Brasil. No Mato Grosso não há mais uma unidade sequer em operação, o que detona todos os serviços de escuta, espionagem e análises de “modus operandi” criminais naquele Estado.
      
        No Mato grosso do Sul, em São Paulo, na Bahia, no Rio Grande do Sul e no Paraná a “contaminação” dos escritórios avança em velocidade vertiginosa e ameaça provocar um colapso geral em todo trabalho investigativo da PF.
Estopim
      
      A iniciativa foi gerada pela resposta do governo federal às reivindicações impostas pela greve dos agentes da Polícia Federal, que exigiam, a reestruturação das funções tidas como de nível superior, entretanto, remuneradas como de nível médio.
   
     Diante do fato de que o governo federal decidiu manter a remuneração dos agentes, escrivães e papiloscopistas no patamar de nível médio, estes também passaram a exercer somente funções e atividades tidas como de nível médio.
   
     Os trabalhos de inteligência são encarados como de nível superior, portanto, os agentes abandonaram estas funções, que deverão, se isto for possível, ser transferidas para os delegados.     Enquanto isto, a Polícia Federal fica sem o serviço responsável pela maior parte das investigações que resultam na prisão de integrantes de grandes cartéis do tráfico de drogas, da lavagem de dinheiro, dos crimes de colarinho branco, do jogo, enfim, fica praticamente inoperante.
Inteligência
     
        A Polícia Federal brasileira constitui, hoje, um dos principais paradigmas em nível nacional, quando se trata do uso da inteligência como instrumento efetivo no combate à criminalidade, com especial ênfase ao crime organizado.
   
    Tendo desenvolvido suas técnicas ao longo dos anos, com o auxílio de organismos internos e do exterior, aliando o conhecimento específico ao grande e contínuo avanço das tecnologias utilizadas para o exercício deste mister, a Polícia Federal tem operado com uma demonstração clara de que é possível, com recursos e preparo adequado do corpo policial, fazer frente aos criminosos e ampliar a capacidade do sistema de segurança pública como um todo, fornecendo ao cidadão e à sociedade a paz e a tranquilidade necessárias à convivência harmoniosa.
     
      Este padrão de excelência é alcançado pelo tratamento adequado da informação, posteriormente transformada em conhecimento, inteligência e ação, com acesso às mais diversas ferramentas tecnológicas. Sempre é necessária a transformação de informação (dados não tratados), para o alcance do conhecimento estratégico, conhecimento este buscado, inclusive, por empresas para conquista de mercados, pelo que se chama "inteligência competitiva" e "gestão de informação".
    
     Infelizmente, em alguns pontos, a forma de obtenção e tratamento dos dados relativos às operações mencionadas e, por que não dizer, de praticamente todo o conjunto de apurações levadas a efeito pela Polícia Federal, se ressente, entre outras coisas, de uma maior organização e sistematização. Ainda existe compartimentação excessiva, que é desnecessária e improdutiva: ao invés de garantir uma hipotética segurança, inviabiliza-se a utilização das informações em trabalhos de repressão ao crime organizado.
      
          Mas, esta é uma realidade que está a um passo de permanecer “congelada”, diante do impasse entre “quem trabalha de fato” e “quem fica no trono observando”. Enquanto isto não se dissolver, o Brasil vai contar com uma Polícia Federal a cada dia “menos inteligente”, ou “mais burra”.

Fonte: MERCOSUL NEWS.


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Greve por mais eficiência no setor público


A reivindicação da Polícia Federal não foca em aumento salarial, mas sim reclama dos processos de trabalho e formas de funcionamento.  

Semelhante ao que acontece nas Polícias Civis!!

        Ao sair do país recentemente, recebi um folheto das mãos de uma funcionária pública no aeroporto, logo antes dos guichês de verificação do passaporte feita pela Polícia Federal.
 
         Peguei o folheto, como muitos o fazem, apenas para ser gentil com a pessoa que o estava distribuindo. Porém, como as filas nos aeroportos são sempre muito longas e demoradas, acabei tendo tempo suficiente para olhar com calma aquele folheto. 
 
        Intitulado simplesmente “Reivindicações”, continha as cinco principais reivindicações dos funcionários em greve da Polícia Federal. No verso, havia uma análise da situação atual da Polícia Federal e da segurança em geral, com o sugestivo titulo “O governo brinca com a segurança dos grandes eventos”, fazendo referência aos eventos internacionais Copa do Mundo e Olimpíadas, previstos para os próximos anos, como sabemos.
 
       O que chamou muito a minha atenção foi o conteúdo de algumas reivindicações e da natureza da análise realizada. Acostumado a greves que pedem mais recursos, como salários, benefícios etc., para seus funcionários, o movimento da Polícia Federal focaliza muito nos processos de trabalho, nas formas de funcionamento, em suas políticas de investimento, suas prioridades e missão, entre outras.
 
      Uma das reivindicações é "a reestruturação de processos de trabalho ineficientes, a exemplo da maior parte das investigações, com o aproveitamento pleno das competências dentro do órgão, quebrando a centralização burocrática”. Ou seja, o movimento grevista demanda um melhor aproveitamento da capacidade das pessoas do órgão em realizar o trabalho de uma maneira melhor do que está sendo feito atualmente.
 
        E outra demanda trata da "criação de um modelo de auditoria por parte do governo, preferencialmente o Ministério do Orçamento e Gestão, de modo a verificar os resultados práticos dos inquéritos policiais em curso, em que a medida de produtividade deverá ser dada por caso elucidado e não por caso 'relatado'”.
 
           Fascinante notar que essa reivindicação questiona a produtividade e um de seus indicadores existente que poderia mascarar a realidade e ainda sugere critérios mais eficazes. Sabemos que os indicadores devem focalizar nos principais fatores de desempenho e devem mostrar a realidade dos fatos com o intuito de sabermos onde estamos, as metas e definir os planos de como atingi-las. Trata-se de técnica e preocupação bastante comum na maior parte das empresas privadas, mas quase sempre ausente nas empresas públicas.
 
           E mais, uma outra reivindicação requer "auditoria por parte do governo nos investimentos logísticos e tecnológicos da instituição, objetivando identificar o efetivo emprego do que foi adquirido, bem como sua real utilidade nas atividades públicas". Outra grande surpresa! Muito salutar a preocupação em não alocar os recursos em ativos desnecessários e não prioritários. Reconhecer a má utilização dos recursos e desperdícios nos investimentos desnecessários não acontece com frequência nem mesmo nas melhores empresas privadas.
 
           O documento aponta a existência de métodos de trabalho antiquados e investimentos equivocados que iriam alocar recursos significativos, da ordem de milhões de reais, em atividades não prioritárias, segundo a sua ótica.
 
         Os verdadeiros propósitos da instituição, de defender o país das ações de criminosos não seriam atingidos devido a existência de processos ineficazes e da má definição das prioridades dos investimentos, sugerem os grevistas.
 
          Não tenho conhecimento e informações suficientes sobre o que se passa no interior da Polícia Federal para julgar sobre a procedência desses argumentos. Mas isso não é o que importa nesse momento.
 
        O documento assinado pelo comando de greve de Minas Gerais pode entrar para história com um registro dos primeiros movimentos trabalhistas por maior eficiência no setor público feito pelos próprios colaboradores que se tem notícia.
 
       É sempre difícil lidar com greves em setores estratégicos e essenciais, como é o caso da Polícia Federal. Mas normalmente, e é compreensível que assim o seja, as greves procuram defender os interesses corporativos de seus funcionários, sem necessariamente se preocupar diretamente com os propósitos das organizações e com a eficiência de seus métodos de trabalho.
 
         Vamos tentar acompanhar o desfecho dessa greve, perdida entre tantos assuntos que atraem a opinião pública, como as várias outras greves no setor público e nas empresas privadas, o julgamento do mensalão, as eleições municipais, a CPI do Cachoeira (meio esquecida no momento) etc., para ver como reage o governo cuja obrigação deveria ser melhorar a eficiência desse setor.
 
        Temos visto muitas greves lutando contra o aumento da eficiência das empresas do setor privado pelos movimentos sindicais acreditarem, muitas vezes, que isso significaria uma maior intensificação do trabalho e piora em suas condições.
 
     Mas o fato de termos uma greve do setor público reivindicando maior eficiência é um fato extraordinário. 
 
(José Roberto Ferro escreve às segundas-feiras, presidente e fundador do Lean Institute Brasil artigo publicado na revista Época)
 

Ânimos exaltados na PF após a Greve!!

Que greve foi essa na PF? »

Após mais de 60 dias de greve, muito foi divulgado na imprensa a respeito do movimento paredista de escrivães, papiloscopistas e agentes da Polícia Federal, intitulados pelo próprio grupo como “EPAs”. Talvez pela coincidência com outras reivindicações de outras carreiras de servidores públicos, o enfoque da maioria das reportagens foram os transtornos à população e pleitos por melhores salários, sem aprofundamento sobre as pretensões dos policiais federais. Foram raras as exceções, como o artigo “Greve por mais eficiência no setor público”, de José Roberto Ferro (Época Negócios, 24/09/12).



A greve tem como principal reivindicação o reconhecimento de nível superior da carreira de agentes, escrivães e papiloscopistas, já previsto na Lei nº 9.266/96 e admitido pelo próprio Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), mas colocou em pauta problemas estruturais da Polícia Federal. É emblemático que a bandeira da greve, uma das mais longas na corporação, tenha adotado o lema “SOS Polícia Federal”. Além da valorização profissional, os policiais federais em greve estão discutindo a própria instituição. Desde o início, policiais federais e seus representantes sindicais tentam manter as manifestações públicas, nos termos estabelecidos por decisões judiciais que, apesar de impor limite, reconheceram a legalidade da greve.


O entendimento do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi neste sentido: “Indubitável a legitimidade do pleito dos policiais federais por vencimentos adequados às essenciais funções exercidas, o que se afigura imprescindível para garantir a atratividade da carreira e uma bem-sucedida política de recrutamento, de modo a selecionar os melhores candidatos. Em outras palavras, mais do que um pleito corporativo, é do interesse da própria sociedade e do Estado brasileiro que seus policiais federais tenham remuneração satisfatória.”


Privilégios ameaçam ruir

Após mais de dois meses, auditórios de sindicatos se tornaram centros de debates sobre os problemas estruturais e de gestão da PF. Os ânimos se acirraram quando dirigentes do órgão e delegados, colegas de trabalho dos policiais federais em greve, viraram as costas para a categoria, talvez com receio de que a visibilidade na mídia escancarasse o modelo arcaico da respeitada Polícia Federal. Os gestores tentam abafar o pedido de socorro dos policiais federais por reconhecimento e valorização profissional, mas também por maior eficiência do serviço. O mantra da “hierarquia e disciplina” não conseguiu sufocar a ideia amadurecida pelos policiais federais em prol da mudança no interior da PF.


No combate à corrupção, em centenas de ações de inteligência policial em todo o país, os federais conheceram os meandros do Estado, suas vicissitudes e a necessidade de modernizar a Polícia Federal para equilibrar o jogo, aparentemente perdido, contra a corrupção e o crime organizado. Neste sentido, a polícia federal, que é polícia civil e cidadã, deve estar cada vez mais distante da militarização, pois a hierarquia e disciplina que impera no meio militar é bem diferente da que deve orientar as polícias civis. Nestas, somente se sustentam hierarquia e disciplina voltadas para a finalidade pública, que no caso é a prestação eficiente da segurança pública, dentro dos ditames constitucionais. Não é à toa que, recentemente, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Leon Panetta, alertou aos países da América Latina para que não deem a função de polícia a forças militares. A mensagem foi de que as autoridades civis devem ser fortalecidas para lidar com a defesa das leis.


As polícias civis, nos últimos anos, tanto a PF quantos as estaduais, passaram a atrair para seus quadros profissionais das mais diversas áreas do conhecimento acadêmico. São esses policiais federais, com visão crítica, formados em renomadas universidades, que estão encarando o desafio de olhar para dentro do castelo de areia da segurança pública. Conceitos corporativistas e privilégios de castas ameaçam ruir. Hoje já não parece aceitável que a mesma estrutura das polícias do Brasil Império ainda persista na nação que almeja posição de destaque entre as potências mundiais.


Papel fundamental

A discussão sobre o atual modelo de segurança pública não inviabiliza (ao contrário, completa) a principal reivindicação dos policiais federais pelo reconhecimento das atribuições de nível superior da carreira. Sem dúvida, o nível do debate já credenciou os policiais grevistas. Numa instituição dirigida por delegados, todos formados em Direito e muitos refratários à valorização profissional na carreira da própria instituição, era previsível a resistência à ideia de que as ciências jurídicas (em que pese a tradição) não sejam superiores às demais áreas acadêmicas.


A estrutura de polícia foi herdada de outra época, com os vícios do bacharelismo. Os avanços tecnológicos e a crescente sofisticação das organizações criminosas se encarregarão de mostrar que atividade policial deve ser, sobretudo, de investigação e natureza multidisciplinar. Já está ultrapassada a visão de que a investigação policial é atividade natureza intermediária. Com o auxílio da tecnologia e do conhecimento científico dos variados ramos, o fazer policial vai se afirmando como atividade interdisciplinar, tão aprofundada quanto forem as inteligências envolvidas em seu labor. Vale lembrar que o aprimoramento das investigações resultará em denúncias mais consistentes pelo Ministério Público e ações penais mais eficazes, lastreadas na atividade policial.

Esta greve dos policiais federais, apesar dos transtornos à população e a redução de prisões nas estatísticas oficiais, poderá trazer ganhos para segurança pública no Brasil. As autoridades mais atentas talvez percebam que uma instituição sufocada pelo excesso de atribuições e pelo arcaísmo da estrutura está tentando respirar. A mídia tem um papel fundamental de esclarecimento, discussão e aprofundamento deste tema, que extrapola interesses corporativistas e resvala no interesse público de uma Polícia Federal mais moderna e eficiente.


Johnny Wilson Batista Guimarães é escrivão de Polícia Federal, bacharel em Direito e pós-graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera
 
Fonte: Observatório da Imprensa

quinta-feira, 15 de novembro de 2012


Policiais Civis e Militares: aposentadoria especial aos 25 anos de serviços prestados: STF Confirma
         
       

       








       STF reconhece direito de policiais se aposentarem com 25 anos de serviço Policiais – 07/06/2012
       
      Todos os policiais Civis, PMs, Bombeiros  militares e PFs conquistaram o direito de se aposentarem, com proventos integrais, aos 25 anos de serviços prestados à Polícia. Esse é o novo entendimento dos Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Tais entendimentos foram emitidos em sede de Mandado de Injunção, que é uma ação movida quando não existe uma lei que trate de algum direito constitucional.
           
      De fato, a aposentadoria especial por periculosidade está prevista no Art. 40, § 4º da Constituição Federal de 1988, e até o presente momento em São Paulo, o Governo do Estado nada fez para editar lei que regulamente tal direito. Dessa forma, os Desembargadores reconheceram que a atividade policial é de fato de alta periculosidade, e por isso, determinaram que a lei aplicável ao Regime Geral de Previdência (Lei 8213) seja agora aplicável, em face da demora do legislador. Com isso, os Tribunais demonstram cada vez mais a nova visão no sentido de que cabe ao Poder judiciário legislar positivamente, em face da demora do Poder Legislativo, considerando o interesse público.

         O melhor de tudo é que Judicário reconheceu que tais decisões são “erga omnes”, ou seja, se aplicam a todos os demais integrantes da carreira policial (civil ou militar), e tal aposentadoria DEVE SER REQUERIDA NA VIA ADMINISTRATIVA AO COMANDANTE OU ÓRGÃO RESPONSÁVEL, requerimento este que não pode ser negado, pois do contrário, haverá flagrante desobediência à ordem judicial da via madamental.
        
         Esperamos agora que as instituições viabilizem o mais rápido possível a concretização de tais direitos, de forma que o policiais militares, bombeiros e policias civis rapidamente concretizem seus direitos de aposentadoria (sem óbces administrativos). Com isso, vê-se que o Poder Judiciário concedeu uma grande valorização da carreira policial, que de fato, é altamente periculosa. A decisão está no acórdão 990100375334 do TJSP.

      Mandado de Injunção é uma ação movida quando não existe uma Lei que trate de algum Direito Constitucional, pela morosidade de ser criada uma Lei com referência ao Artigo 40 § 4º da Constituição Federal de 1988, como o Governo não fez nada para editar Lei que regulamentasse tal direito. Desta forma os desembargadores reconheceram que a atividade é de fato de alta periculosidade e por isso, determinaram que a Lei aplicável ao regime geral de Previdência (Lei 8.213) seja agora aplicável ao Policial em face da demora do Legislador. Com isso, os tribunais demonstraram a nova visão no sentido de que cabe ao Judiciário Legislar positivamente, em face da demora do Poder Legislativo considerando o interesse público. O bom de tudo isto é que o Poder Judiciário reconheceu que tais decisões se aplicam a todas as demais carreiras Policiais (Civil, Militar, Bombeiros e PF). Tal aposentadoria deve ser deixado bem claro que não é compulsória deve ser requerida na via administrativa ao Comandante ou ao órgão responsável. Esperamos agora que as Instituições viabilizem o mais rápido possível a concretização de tais direitos, de forma que os Policiais tenham seus direitos de aposentadoria e festejem esta nova conquista. Que o entendimento e o bom senso tragam pelo menos a esperança de que tal decisão seja cumprida em todos os estados brasileiros, afinal a decisão é erga omnes, ou seja, é um ato ou decisão que a todos obriga ou sobre todos tem efeito.

 
 

STF confirma aposentadoria especial para policiais
Mantida aposentadoria especial a delegado acreano com comprovação de atividade de risco. Por votação unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou, nesta quarta-feira (13), jurisprudência firmada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3817 para reafirmar que o inciso 1º, artigo 1º da  Lei Complementar (LC) nº 51/1985 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Esse dispositivo prevê que ao servidor policial é garantido o direito à aposentadoria voluntária, com proventos integrais, após 30 (trinta) anos de serviço, desde que conte pelo menos 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial.

A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 567110, relatado pela ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, em que o Instituto de Previdência do estado do Acre contestava decisão do Tribunal de Justiça daquele estado (TJ-AC), que reformou decisão de primeiro grau para reconhecer ao delegado de polícia Carlos Alberto da Silva o direito à aposentadoria especial. Recepção “A recorrente não tem razão de pedir a reforma da decisão do TJ-AC”, sustentou a ministra relatora. Segundo ela, a alegação de que a aplicação do artigo 1º da LC 51 não é automática não procede, já que o policial comprovou o exercício efetivo do cargo durante 20 anos em condições de risco a sua integridade física.

Ela informou o fato diante de uma ponderação do ministro Gilmar Mendes quanto ao risco de o benefício da aposentadoria especial ser estendido também aos servidores que, requisitados para outros órgãos ou outras atividades, não tiverem atuado em situação de efetivo risco a sua saúde ou integridade física durante o período previsto em lei.

Repercussão geral
O Recurso Extraordinário nº 567110 foi protocolado no STF em outubro de 2007. Em fevereiro de 2008, os ministros do STF reconheceram ao tema o caráter de repercussão geral. Posteriormente, em 13 de setembro daquele mesmo ano, o Plenário da Suprema Corte julgou um caso idêntico na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3817, concluindo que o artigo 1º da  LC 51 foi recepcionado pela EC 20/98, que deu nova redação ao artigo 40, parágrafo 4º da CF.

Violência
Em rápida sustentação oral em favor do policial, o advogado responsável pelo caso observou que, comparativamente a 1985, o cenário policial das grandes cidades brasileiras é hoje bem mais violento. Segundo ele, como o policial está 24 horas por dia sujeito a efetuar prisões em flagrante, está também sujeito a risco permanente a sua integridade física.

Ele lembrou que o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 554/2010, que revoga a  LC 51, mas reconhece expressamente a validade das aposentadorias concedidas com base em seu artigo 1º, quando preenchidos os requisitos legais, ou seja: o tempo de aposentadoria previsto para o servidor público, desde que ele comprove ter exercido, por 20 anos, atividade efetivamente de risco a sua saúde ou integridade física.

Também a Advocacia Geral da União manifestou-se pelo direito do policial à aposentadoria especial, reconhecendo a recepção da LC 51 pelo parágrafo 4º do artigo 40 da CF, por força da redação que lhe foi dada pela EC 20/98.

Notícias do STF  (Confira no site do STF: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=163909)